
do hobby
À
profissão
A TRANSIÇÃO dO AMADOR PARA O PROFISSIONAL
Unir o útil ao agradável é possível: mangakás independentes transformam seus
talentos em profissão
Produções independentes de mangás feitas por fãs têm sido um boom no mercado editorial. Os artistas “amadores” de quadrinhos japoneses se inspiram nos mangás que mais apreciam, além dos animes, e financiam suas próprias publicações sem garantia de um futuro profissional, mas com o prazer de quem faz o que realmente gosta. Ainda assim, por meio de campanhas colaborativas na web e redes sociais, tais artistas conseguem transformar suas atividades em trabalhos oficiais, a partir do momento que ganham visibilidade e passam a ser interessantes às editoras.
Com o acesso generalizado à internet, as divulgações têm alcançado os grupos ideais para publicizar tais trabalhos, que podem ser apreciados na própria rede. Além disso, eventos como o Anime Friends e a Comic Con, organizados para admiradores de quadrinhos japoneses e de outras origens, têm sido os locais com mais oportunidades para os mangakás, já que são frequentados por pessoas que consomem mangás independentes e comparecem justamente no intuito de comprar ou trocar experiências.
Mas, afinal, o que é esse tal de “mangaká”? O termo é originado da palavra “mangá” e significa “desenhista de mangá”. Porém, nem todo desenhista de mangá se considera um “mangaká”, pois também exerce outros tipos de trabalho, seja em uma profissão fixa não relacionada à atividade, seja desenhando quadrinhos em geral, sem se limitar ao mangá. É o caso de Giovanni Kawano, de 24 anos, que conciliou a publicação do seu último mangá “Amarração do Amor”, em 2017, com as aulas de desenho que ministra na escola Arte São Paulo e seus outros trabalhos (sobretudo freelancers). “Eu acredito que mangaká é o cara que consegue se sustentar com suas obras ou fazer uma produção regular. Considero que ainda não estou nesse ponto, estou construindo minha carreira como desenhista, então não me considero mangaká”, conta o ilustrador.
Os desafios da profissão são reflexos das dificuldades vividas pelo mercado brasileiro de histórias em quadrinhos, principalmente na década de 1990. Neste período, houve um declínio no cenário devido à ausência de editoras empreendedoras e, até hoje, boa parte dos mangás procurados nas lojas do bairro da Liberdade, em São Paulo, são adaptações nacionais de produtos estrangeiros. Materiais nacionais ainda estão em processo de crescimento e disseminação, em parte graças ao consumo de mangás e quadrinhos independentes. Giovanni diz que tudo depende da forma com que o público adquire e absorve conteúdo e também de que modo ele, como artista, chega até os leitores. “Tem muita coisa nacional boa sendo lançada. A questão agora é como fazer isso chegar até o público, é hora de fazer o público conhecer as histórias e o produto ser reconhecido como um todo”, afirma o autor.
Parte desse reconhecimento se concretiza à medida que a divulgação utiliza de todos os recursos disponíveis, seja por promoções e eventos organizados na internet e feiras de mangás, seja com o apoio dos lojistas. É o caso de Edinaldo Silva Caldas (Ed), gerente da loja Comix, uma das maiores lojas de mangás de São Paulo. Ed diz que o auge dos quadrinhos tem sido no momento atual e apoia os profissionais com gosto: “Agora o mercado se estabeleceu novamente, a partir do surgimento de novas editoras como a JBC, que repaginou o cenário com séries e filmes e diversificou o público”, conta o gerente.
Edinaldo afirma que, hoje em dia, há espaço para todos, inclusive mangás independentes são consumidos pelos leitores dentro da loja. Os autores desses mangás são incentivados a divulgar seus trabalhos nos eventos organizados pela Comix. ”Esses materiais ainda estão se encaminhando. Os autores independentes geralmente vendem as obras nos eventos, e tem uma série de eventos que rolam por aí. Aqui na loja temos o próprio Fest, promovido por nós, que começou na época do apagão”.
O evento começou pequeno, com poucos clientes, e depois foi ganhando tanta força que já não conseguia comportar o número de pessoas dentro da Comix. “Começamos com eles na época do apagão e foi ganhando tanto retorno que não cabia mais pessoas na loja, tivemos que fazer em outro lugar para acomodar o número de clientes. Um dos eventos promovidos por nós foi realizado no vão da Gazeta e reuniu em torno de 20 mil pessoas, porém, a logística era complicada, e fomos adaptando para outros lugares. O último que fizemos foi no Espaço São Paulo”, narra Ed.
Para o produto independente chegar em uma loja como a Comix, é preciso passar, muitas vezes, por um processo de “vaquinha” online ou campanha para ser publicado. É o próprio exemplo de “Amarração do Amor”, de autoria de Giovanni. O livro foi feito por meio de uma campanha promovida pelo autor, que foi compartilhada nas páginas de mangás de grande porte e ganhou a visibilidade do público. O desenhista comenta que começou a frequentar os eventos e “a fazer uma campanha de divulgação por lá e pela internet, divulgando a data da versão online no ‘99 balões’”.
Os eventos promovidos pelos cosplayers crescem a cada ano, gerando mais espaço para divulgação dessas produções independentes entre os fãs, ao ampliar networking de divulgação dos autores e pelas palestras que visam a superação de empecilhos mercadológicos. O trabalho de Giovanni é fruto do impacto gerado por esses eventos e também das ações que o mesmo promove na escola em que dá aulas de desenho, ao estimular os seus alunos a investirem na profissão e a buscarem qualificação. “Eu comecei primeiro como desenhista, depois fui ampliando o leque ao conhecer pessoas da área nos eventos, fui levando os meus trabalhos, divulgando eles, e assim foi. Na escola em que eu dou aula sempre tento falar desse processo com os alunos”, relata o autor.
Além dos eventos, há também uma ação promovida pelo ProAC (Programa de Ação Cultural), dos governos estaduais, que apoia projetos de HQ’s e promove plano de carreira para jovens. Ao citar ações educacionais, é válido lembrar do trabalho executado nas escolas de mangá, como o da escola Área E.
Uma figura importante no processo de desenvolvimento de qualquer profissional é a do professor. Sem este, não há diretriz e motivação. Ao valorizar a educação, consequentemente é valorizado o trabalho. Isso aconteceu com Giovanni e serve de exemplo para quem quer seguir carreira. Podemos citar também o professor Fabrizio, de 39 anos, da escola Área E, localizada no bairro Jardim Paulista. Ele possui vasta bagagem no mundo dos quadrinhos, sofreu preconceito por parte da família quando começou na área e hoje é um dos professores mais queridos por seus alunos. Fabrizio reforça o quanto é importante saber desenhar e ter responsabilidade para se tornar um mangaká: “Um bom profissional, um bom empreendedor e seguir as regras básicas com disciplina”, aconselha o professor.
A Área E, por acreditar nos alunos e no mercado, está planejando um curso para o segundo semestre focado nessas produções independentes. Serão projetos autorais, que servirão de portfólio para os alunos entrarem no mercado de trabalho e ganhar novas experiências.
Este site é aberto a ouvir, ler e incentivar as ações independentes de artistas, mangakás e aspirantes a todas as formas de arte. Abaixo, seguem entrevistas de profissionais que transitam do hobby à profissão, e que, de alguma forma, podem servir de apoio para os que desejam entender um pouco mais de mangá e produção independente.
giovanni kawano

Professor na Arte São Paulo, desenhista formado pelo Instituto dos Quadrinhos, ilustrador e autor da obra “ Amarração do Amor”, publicada em 2017. Sua grande referência como desenhista é o desenho Dragon Ball, inspiração pessoal para começar a realizar as suas produções autônomas
EDINALDO SILVA

Gerente da loja Comix há 23 anos. Começou no estabelecimento quando este era uma pequena banca na rua Oscar Freire. Acompanhou toda a trajetória dos quadrinhos no Brasil e as épocas de altos e baixos das editoras no mercado.
fABRIZIO YAMAI

Diretor na escola de mangá Área E, localizada no bairro da Liberdade, e formado em Jogos Digitais. Começou a desenhar por hobby quando criança e produzia fanzines na adolescência. Acredita no futuro da profissão e incentiva a qualificação nos cursos dados na escola, para estimular os jovens a seguirem os seus sonhos.
daniel shirabe

Mesmo com a pouca idade, já tem experiência de 10 anos na Loja Shinozaki, no bairro da Liberdade. Descendente de japonês, foi morar no Japão aos 6 anos de idade e só voltou para o Brasil após os 14 anos. Para Daniel, o mercado de quadrinhos das novas gerações não afeta o consumo dos clássicos mangás.