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o que é zine?

A linha tênue que separa as produções de fãs de suas inspirações é livre e não tem regras

Quem lê mangá ou entende pelo menos um pouco do assunto já ouviu falar de fanzine (ou “zine”, para os mais íntimos). Mas, afinal, o que é isso e o que tem a ver com mangá? “Fanzine” vem da aglutinação dos termos em inglês fanatic + magazine, que significa “revista feita por fãs”, expressão criada em 1941, nos Estados Unidos, por Lewis Russel Chauvenet. A ilustradora Aline Hirata, de 22 anos, formada em Design pela ESPM e autora de três fanzines, define os mesmos como “produções que podem ser feitas por qualquer um, com o intuito de partilhar uma ideia sobre um determinado tema ou história com outras pessoas”. Ou seja, é possível produzir fanzines sobre qualquer assunto, desde poesia, filmes, música e causas sociais até desenhos, como os mangás. Além disso, o zine tem como característica o baixo orçamento, já que não tem como objetivo gerar lucro, e pouca tiragem, devido à sua produção artesanal.

O zineiro (produtor de zines) de mangás geralmente se envolve cedo com a cultura japonesa e, por isso, já faz desenhos de seus personagens favoritos desde jovem. É o caso de Edson Pereira, de 38 anos, que graduou-se em Artes Plásticas e Roteiro devido à sua afinidade e gosto pessoal. O artista, que hoje só assina seus trabalhos sob o pseudônimo de Eddy Khaos”, conta que sempre foi fã de mangás, desde quando sequer conhecia o nome das produções que admirava: “na época eu nem sabia que chamava ‘mangá’, para mim era só desenho japonês”, afirma. Eddy assistia a animes em VHS, em um período no qual os desenhos não eram legendados e a única forma de vê-los era em japonês. O hábito originou suas próprias artes, como ele relata: “Assim que surgiu meu interesse pelos animes e mangás eu já comecei a rabiscar, a fazer bastante zine para mostrar minha arte e, peguei tanto o gosto, que nunca mais parei de produzir”.

Aos 18 anos, Eddy produziu seu primeiro quadrinho autoral, com roteiro próprio, inspirado em Cavaleiros do Zodíaco. Mais tarde, começou a ilustrar livros infantis com mangás e a fazer capas para editoras. Estas, por mais que fossem sua fonte de renda oficial, não o conquistaram como o zine, formato em que encontrou sua liberdade: “É um material que você não consegue produzir em uma editora grande, não tem o respaldo e o calor de estar ali, tête-à-tête com o leitor ou outro zineiro para trocar experiências e ideias”, fala o artista. Eddy ainda comenta, com emoção, a importância do zine em sua vida: “O fanzine para mim significa tudo. É a minha forma de expressar sem repressão alguma. O ato de você poder desenhar, diagramar, colorir, colocar os balões e diálogos, vender, trocar ideia sobre esse material com outro fanzineiro, com o público… Não tem explicação. É uma sensação inominável. É muito bom”.

Outro zineiro que passou por uma trajetória parecida é Daniel Capua, de 29 anos, que hoje é ilustrador, roteirista, colorista e… personal trainer. Daniel começou a consumir mangás por influência dos animes, como conta: “na infância assistia Dragonball, posteriormente Dragonball Z, já desenhava desde sempre e imitava o traço dos animes e mangás que vim a conhecer”. Aos 14 anos o artista publicou seu primeiro zine na Anime Friends, cujo tema era uma aventura de RPG medieval distribuída em histórias interconectadas. Capua comenta que divulgava suas publicações nos eventos de animes e em bancas de jornal, onde negociava a atividade com o jornaleiro, e que o estilo dos mangás Death Note e Fullmetal Alchemist são os que mais se identificou, pelos detalhes realistas que apresentam, ao mesmo tempo que incluem as características de mangás em geral. E, sobre o fanzine, o ilustrador afirma que “é um início excelente para mostrar aos artistas que eles podem usar recursos mínimos para contar suas histórias”.

Ednaldo Caldas (Ed), gerente da Comix há 23 anos, loja especializada em quadrinhos e mangás desde 1986, comenta com base em sua experiência o cenário de fanzines de mangá: “hoje em dia você tem vários autores lançando materiais muito bons, há uma gama excelente de produtos independentes no mercado, coisa que você não tinha antes”. Ed conta que os zines não faziam esse sucesso anteriormente pelo estigma de serem produtos nacionais, já que há muitos clientes que preferem somente os importados. Porém “os fanzineiros estão ganhando cada vez mais espaço nesse mercado, principalmente vendendo em eventos como o Ressaca Friends, a Comic Con e a Fest Comix, afirma confiante.

Os eventos e redes sociais relacionados a mangás são os principais meios de divulgação de zines, já que ambos são procurados pelo público que realmente se identifica com o segmento e cultura japonesa de maneira geral. A dupla Kyuu, constituída por Yuu (28 anos) e Kurama (30), tem na bagagem artística o zine Memory Clock, publicação que aborda temas como autoconhecimento e homoafetividade. As zineiras contam que a principal forma de divulgação de seus trabalhos é pelas redes sociais: “possuímos uma fanpage no Facebook, a Kyuu Page, além do Instagram (@kyuumangaka) e o Tapastic (onde se encontra a história ‘Memory Clock’), plataforma própria para quadrinhos”, mas também vendem as publicações nos eventos que participam sempre, geralmente focados em cultura japonesa. “Costuma ser onde atingimos maior aceitação do público”, complementam. Yuu, desde criança, possui muitas ideias, tanto acordada quanto por meio de seus sonhos e, para ela, o zine é um caminho para concretizar a intensidade de seus pensamentos: “os fanzines e outros formatos de história foram a forma que encontrei de expor a gama de mundos variados que tenho dentro de mim, por vezes apenas por diversão, outras por achar que poderiam fazer alguma diferença na vida de quem lê”. Para a artista, criar histórias é tão importante que “diria até que não conseguiria viver sem isso”, enfatiza.

Mesmo com tantos exemplos de artistas independentes e trabalhos pautados pela arte de fazer fanzine, devido a esse tipo de publicação ser parte de uma cultura alternativa à de massa, nem todos o conhecem. Mas, para o grupo ao qual pertence, ele é ferramenta essencial de afirmação identitária, autenticidade e voz. Marcio Sno, jornalista, fanzineiro e um dos poucos estudiosos brasileiros do assunto é autor do livro de referência O universo paralelo dos zines, no qual explica que o zine é permeado pela ideia dofaça você mesmo”, uma expressão utilizada pelo movimento punk que passou a ser adotada por artistas independentes no geral, principalmente zineiros (de todos os tipos)

No Japão, os zines são “febre”, levam o nome de doujinshi e possuem até eventos anuais próprios de grande porte (como o Comiket), nos quais os artistas amadores expõem seus trabalhos e milhares de pessoas os compram. Diferente de outras culturas, em terras nipônicas, apesar de muitas publicações envolverem títulos oficiais de mangás e atingirem um número relativamente alto de vendas, os autores de doujinshi não são penalizados pelo uso de direitos autorais das obras. E, por quê? Bem, por lá a publicação independente é vista como um meio de atrair o público para a própria obra original, além dos zineiros serem alvos de caça talentos de editoras profissionais. Inclusive mangás consagrados hoje foram iniciados pelo doujinshi, como Sakura Card Captors, Inuyasha, Peacemaker Kurogane e Love Hina, de forma que a indústria (milionária) de mangás e o mundo dos fanzines convivam harmoniosamente.

E você, quando vai começar seu zine?

MANGÁ, ZINE E DOUJINSHI

Arte de Aline Hirata 5
Arte de Aline Hirata 4
Arte de Aline Hirata 3
Arte de Aline Hirata 4(1)
Livro organizado por Eddy Khaos
Arte de Aline Hirata 2
Livro organizado por Eddy Khaos 3
Arte de Yuu, da dupla Kyuu 2
Arte de Kurama, da dupla Kyuu 3
Arte de Yuu, da dupla Kyuu
Arte de Yuu, da dupla Kyuu 3
Arte de Kurama, da dupla Kyuu
Livro de autoria de Eddy Khaos 2
Arte de Kurama, da dupla Kyuu 2
Arte de Aline Hirata
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